9 de novembro de 2024

Morre uma cidadã, morre Dona Dulce – Por Francisco Nery Júnior

Por

Redação, sitepa4

CRÔNICA – Morre uma cidadã – morre Dona Dulce

(Foto: Redes sociais, acervo de João de Sousa Lima)

 

A morte fria, horrenda, assustadora, negação flagrante da vida; a morte com quem temos de conviver, mais perto do que se nos parece. De um gosto amargo azedo ela, provisoriamente, triunfa. E nos deixa a meditar sobre ela. Nada a ver com a morte da semente para virar a árvore frondosa. Pode ser, mas podemos colocar [isto] no verbete da exceção.

Machado de Assis com ela conviveu. Chegou a dedicar uma das suas lavras ao primeiro verme a se deliciar com as suas carnes. No capítulo 84 de Memórias Póstumas de Brás Cubas, encontramos:

“Número fatídico, lembras-te que te abençoei muitas vezes? Assim também as virgens ruivas de Tebas deviam Abençoar a égua, de ruiva crina, que as substituiu no sacrifício de Pelópidas, – uma donosa égua, que lá morreu, coberta de flores, sem que ninguém lhe desse nunca uma palavra de saudade. Pois dou-a eu, égua piedosa, não só pela morte havida, como porque, entre as donzelas escapas, não é impossível que figurasse uma avó dos Cubas…”

Fez assim Machado. Esse foi Machado de Assis em onda de leitura e reconhecimento atual nos Estados Unidos e no mundo.

Foi quando, na manchete do site, a morte de Dona Dulce. Não era amiga de círculo fechado de nós outros. Para simplificar, era uma cidadã, com simpatia e respeito como tais garantidos na Constituição – também direitos nossos. Quero simplesmente dizer que a motivação para esta crônica apareceu pouco após a comunicação do site e pela lembrança do que vai aparecer no parágrafo seguinte e final. As afirmações do excerto não são literais e nada, literalmente, se aplica, nem ao leitor, ao autor; muito menos à defunta.

É que, ao caminhar da Gráfica dos Padres em direção à Prefeitura, no encontro de uma alta e escandalosa calçada, na realidade um batente imoral, difícil de escalar, ela em sentido contrário, paramos desanimados, ela e eu. Nos entreolhamos e comentei, melhor seria dizer sussurrei: A velhice é uma desgraça. E veio a resposta de Dona Dulce, resoluta e forte: “E eu já estou aqui fu…”

Não nos conformamos com a morte. Não fomos criados para morrer. Talvez meramente a aceitemos. Temos que aceitar. De fato, já está vencida.

Francisco Nery Júnior

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