27 de julho de 2024

F. Nery Jr: O melhor presente da minha vida

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REDAÇÃO - PA4.COM.BR




 

 

Eu devia ter meus 10 anos de idade. A minha madrinha, que chamávamos nós outros de dindinha, me deu o melhor presente da minha vida: meia- dúzia de ovos! Nunca mais senti o gosto daqueles ovos fritos [para mim] pela minha mãe. Os ovos eram meus e eu os comi sozinho e com avidez.

 

Na tentativa de redigir uma crônica agradável para o meu leitor, acabo de mentir. A madrinha não era minha. A doce senhora de cabelos alvos como a neve era madrinha da minha irmã mais velha. Dos dez filhos do meu pai, foi a única a ter o privilégio de ter uma madrinha. Todo 21 de setembro, data de nascimento do velho, ela vinha almoçar conosco. As conversas eram doces e eu, na periferia do evento, escutava, na surdina, a troca de experiências entre o meu pai, a minha mãe e aquela que tinha sido a esposa do meu tio. Escutava na surdina. Primeiro, menino não se metia em conversa de cachorro grande. Segundo, não existiam as malditas maquininhas que isolam cada vez mais as pessoas. Escutava de longe.

 

O nono filho, nasci em 17 de setembro. Foi essa proximidade do dia 21 que motivou Dona Palmira a me contemplar. O presente não era barato. Comer galinha era coisa de fim de semana. As granjas não existiam e não havia pontos de venda de ovos de galinha disponíveis para todos pipocando em cada esquina da cidade. Benditos os que semeiam ovos a mãos cheias e mandam o povo se alimentar. Eles produzem e são os nossos heróis. São parte essencial da erradicação da miséria no Brasil. Temos pobreza. Não temos mais miséria.

 

O Brasil começa a se firmar como país fundamental para a produção de alimentos para a humanidade. Lá fora, eles começam a nos respeitar e nos valorizar. Na França, comprei nosso limão a E$4,99 (quatro euros e noventa e nove centavos) o quilo. A cotação do euro era de R$4,55. Por cada peito de frango importado do Brasil, pagava o correspondente a seis peitos no supermercado do imortal Sebastião. A soja do Brasil entra como componente na alimentação dos europeus.

 

A turma da zona rural são os heróis da humanidade. Eles nos alimentam. São eles os responsáveis pela comida à nossa mesa. Cada vez mais produzem com eficiência e responsabilidade. Buscam com afinco a redução dos agrotóxicos. Evitam a poluição dos rios e dos mananciais. Caldeiam as raças de aves e bestas e aprimoram os meios de escoamento da produção.

 

Os seis ovos que marcaram a minha vida, aquela meia-dúzia providencial, foram postos por galinhas de capoeira. O gosto que tinham era gosto de poeira e de chão do Nordeste. O canto que ouvíamos após a postura, não ouvimos mais. A galinha punha e cantava o canto da vida e da perpetuação da espécie. O galo, orgulhoso, participava.




 

As galinhas das nossas granjas não cantam mais; pelo menos o canto que acabamos de descrever. Em pequenas gaiolas para não queimarem a gordura, apenas balbuciam pios guturais nada semelhantes à sinfonia da capoeira. Elas pagam o preço da fartura da nossa mesa. Crueldade? Talvez. Necessidade? Pode ser.

 

Durante séculos, a produção justificou a escravidão. A hipocrisia prevaleceu. Levas de escravos, mais negros do que brancos, garantiram a sobrevivência de todos, ou, mais precisamente, a fartura de poucos. A fartura das nossas mesas não estaria sendo garantida pela crueldade a que são submetidos muitos dos animais?

 

Francisco Nery Júnior







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