27 de julho de 2024

CRÔNICA – Um pé de tamarindo na Avenida de Contorno (Francisco Nery Júnior)

Por

Redação, sitepa4

 

Um pé de tamarindo na Avenida de Contorno

Lá, bem no meio da Avenida de Contorno, sem atrapalhar ninguém, sem ser inconveniente, ele estava lá. É meio de caminho entre a minha casa e a casa da sogra. Pequenino ainda, cambaleante talvez, lutava pela vida. Alguém o plantou. Não fui eu. Plantou e dele se esqueceu.

Passei e percebi. Eu o vi e dele me tornei amigo. Considerei a vida exuberante que poderia ter. Cuidado e amado, certamente exultaria. Olhei, até conversei um pouco com ele, sem resposta oral evidentemente, e nos tornamos amigos. Não o abracei, mesmo não o beijei, pelo seu tamanho. O que fiz foi tentar crescer com ele. Ele viria a ser exuberante. Seria agradecido e retribuiria, não somente a mim, mas a todos os carentes, com cargas sucessivas de tamarindos a perder de conta.

Sucessivamente lhe adicionei compostagem que lhe fortaleceu a cepa. Tratei de livrá-lo de empecilhos inconvenientes nos seus arredores. Reagiu e cresceu. Retribuiu com gosto o amor recebido.

A primeira carga chegou. Amor concedido nunca é perdido. Está lá para quem quiser ver e se beneficiar. Continuo com a amizade. Não importam olhares de desprezo ou desconfiança. Não interferem as incompreensões que existem por incrível que pareça. A nossa amizade subirá ao infinito. Permanecerá para sempre.

Temos outras amizades na cidade como a do nosso tamarindeiro. Ele é apenas um marco e a motivação para a nossa crônica de hoje. Segue uma foto já no fim da safra e, a propósito, trecho do espetacular texto do cajueiro de Humberto de Campos.

“Aos treze anos da minha idade, e três da sua, separamo-nos, o meu cajueiro e eu. Embarco para o Maranhão, e ele fica. Na hora, porém, de deixar a casa, vou levar-lhe o meu adeus.

Abraçando-me ao seu tronco, aperto-o de encontro ao meu peito. A resina transparente e cheirosa corre-lhe do caule ferido. Na ponta dos ramos mais altos abotoam os primeiros cachos de flores miúdas e arroxeadas como pequeninas unhas de crianças com frio.

– Adeus, meu cajueiro! Até a volta!

Ele não diz nada, e eu me vou embora.

Da esquina da rua, olho ainda, por cima da cerca, a sua folha mais alta, pequenino lenço verde agitado em despedida. E estou em São Luís, homem-menino, lutando pela vida, enrijando o corpo no trabalho bruto e fortalecendo a alma no sofrimento, quando recebo uma comprida lata de folha acompanhando uma carta de minha mãe:

“Receberás com esta uma pequena lata de doce de caju, em calda. São os primeiros cajus do teu cajueiro.

São deliciosos, e ele te manda lembranças…”

Francisco Nery Júnior

P.S. Quem sabe um dia chegará em minha casa um pote de doce de tamarindo com lembranças inefáveis do meu amigo tamarindeiro?!

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