26 de julho de 2024

CPA, um legado a ser preservado (Francisco Nery Júnior)

Por

Redação, sitepa4

Complexo esportivo do Clube Paulo Afonso – Foto: CPA

 

Por Francisco Nery Júnior – Crônica

Legado, uma das palavras mais bonitas em português. Cheia, redonda, pejada de significante, nobre no seu deixar; deixar para os outros. Deixar quando não mais formos – deixar para as novas gerações. O termo vem lá da segunda declinação do latim, genitivo singular terminando em i (letra i). No nominativo, terminação um, neutro da segunda. Para corroborar o que vem a seguir, o neutro está na moda. As aulas de latim do professor Barreto, Barretinho para nós alunos do Colégio Central de Salvador, Barretinho porque havia o professor Barretão, outra potência do nosso colégio; as aulas vingaram. Com eles, e por eles, bebemos na fonte do saber. Ainda podiam nos ajudar.

Em Paulo Afonso, a mãe Chesf, dos primórdios espetaculares, era a nossa mãe. Nada de errado. Nada mais nobre. A gestação da Chesf se deu com nós outros nas suas entranhas. Penetramos nas cavernas cavadas com ânimo e esperança e nos enlaçamos com ela, com a Chesf, de corpo e alma. Carecia acreditar no Brasil do amanhã. Enfrentamos todos os perigos e dúvidas. Batemos de frente contra as vicissitudes – e vencemos. Vencemos todos para proveito do Nordeste e do Brasil. O Rio São Francisco, domado e expurgado do seu ímpeto natural, ilumina o Nordeste e alimenta as suas indústrias.

Não nos ufanamos. Não fomos heróis. Apena fizemos a nossa parte. Embarcamos no sonho de Apolônio Sales e na visão de Getúlio Vargas assimilados pelo general Dutra.

E a Chesf nos apoiava. Sustentava a nossa caminhada. Tinha que ser assim. Não poderia ter sido de outro jeito. O sertão dos primórdios da Chesf era o sertão de Lampião! O perigo estava à vista. Vir para cá era uma aventura. Os cabras de cepa vieram. Alguns desistiram. O Acampamento Chesf era a nossa fortaleza. O muro nos protegia. Este cabra eventual ainda viu (literalmente viu) um assassinato na Rua da Frente. Teve um seu carro roubado no acampamento e o seu alojamento invadido por um assaltante, de noite, enquanto dormia o sonho da grandeza de uma empresa que ainda consideramos parceira e grata ao nosso sacrifício.

Tranquilamente grafamos o termo sacrifício. Muitos não toparam o tombo. Vários não assumiram deixar para trás o conforto e as oportunidades da cidade grande. Os salários eram bons. As mordomias – já vimos que não eram mordomias – abundavam. Os resultados compensavam. Mas poucos tiveram a gana de pagar o preço. Por vezes, precisamos de alguns que não toparam vir nem com o salário triplicado.

Não havia asfalto para as nossas capitais. Um simples telefonema para nossos familiares nos cobrava uma noite na fila da central telefônica. Um tratamento de dente menos frugal exigia a ida para a capital. A nossa luta e o nosso desprezo pelo conforto eram, porém, sinceros. Era doce, sincero, salutar e animador o nosso sentimento de pioneirismo.

A Chesf fazia a sua parte. Injetou muito dinheiro no acampamento e nas usinas. Rios de dinheiro no Hospital e no Sistema Escolar Colepa. Muito dinheiro em um sistema educacional que poderia ter tido resultados exponenciais. A Chesf era a nossa mãe. Ela nos acariciava porque sabia o que estava fazendo.

Os tempos foram mudando e o Hospital Nair Alves de Souza foi finalmente repassado. O sistema educacional implodiu mais tarde do que poderia ter sido. O Acampamento foi desarticulado e as casas repassadas a preços representativos. Batimentos como o Restaurante e áreas nobres do antigo acampamento poderiam ter sido preservados para o bem de todos nós. Por onde passamos, placas de vende-se em propriedades da Chesf, agora envolvida na rubrica Eletrobras.

Aceitamos resignadamente o desenrolar dos tempos. Mesmo concordamos com o soprar dos novos ventos. Afinal, nem só de pão – e nostalgia – vive o homem. Mas, por outro lado, homens que somos, não podemos abrir mão da ternura que não podemos jamais perder. Perdida a ternura, os confrontos e as guerras onde todos perdem.

No universo que acabamos de testemunhar para o leitor, quiçá para os gestores do momento, havia o CPA (Clube Paulo Afonso). Local para distensões e congraçamentos. Renovávamos as nossas forças e fazíamos amigos. Nos inteirávamos dos avanços das obras. O CPA era o bálsamo de que precisávamos. Como fortaleza memorável, resistiu até hoje.

O que temos notícia é que a Chesf pretende vender o CPA. Para não muito falar, o CPA é invendível! Deveria ser invendível. Irrepassável, se assim podemos grafar. No máximo, cedido a uma a instituição sem fins lucrativos. No mundo existem coisas que são indesvencilháveis. A morte do CPA, a sua descaracterização, certamente será a sua venda.

O leitor atento deve ter notado a falta de argumentos legais nesta escrita. Muito bem notou. A nossa argumentação vem do mais profundo do nosso coração para os atuais gestores da companhia que, acreditamos, têm um coração muito mais profundo que o nosso. Eles certamente sabem que um dinheirinho a mais arrecadado com a venda do CPA pouco ou nada acrescentará ao patrimônio da Chesf que honramos e valorizamos a sua parceria.

 

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