20 de dezembro de 2025

Velório e Sepultamento de D. Risalva. No silêncio do campo santo, repousa a guerreira esquecida da emancipação de Paulo Afonso.

Por

Redação

(Foto: Antônio Galdino)

Por Antônio Galdino (Folha Sertaneja)

Paulo Afonso/BA, fim de tarde 3 de setembro de 2022.

No salão quase vazio do SAF estava o caixão de uma senhora chamada Risalva Toledo. À volta dele, 5 pessoas rezavam o terço num momento de fé. Eram alguns familiares, uma amiga… Um pouco à distância mais três pessoas compungidas, tristes, chorando baixinho…

E quem é esta senhora que tão pouco atenção mereceu da sociedade no momento de sua viagem eterna?

Na hora da saída do seu corpo para o cemitério Padre Lourenço Tori, mais algumas pessoas se juntaram. Ao todo talvez 15, 20, não mais.

E, em volta do seu túmulo, onde também foi sepultado o seu esposo, Raimundo Toledo, esse pequeno grupo de familiares e alguns amigos, deram-se as mãos e rezaram e disseram da sua dor de ver esta senhora de tanta doação em vida pela cidade onde morou por 72 dos seus 95 anos, totalmente abandonada do afeto e do carinho da sociedade, dos políticos com quem conviveu.

Alguém falou que, “felizmente o Alzheimer com quem conviveu nos últimos anos não a fez perceber esse descaso, essa hipocrisia de alguns ou de muitos…”

Havia, de fato, nos que ali estavam, um grito geral de revolta.

A história de D. Risalva Toledo é maior que o próprio município que nasceu da sua luta, como única mulher envolvida nas causas sociais no seu tempo, correndo risco de vida, quando participava de reuniões secretas que se realizavam para discutir e programar as estratégicas para a emancipação política de Paulo Afonso.

E essa luta, que começou ainda no ano de 1950, continuou, mesmo depois de 1958, quando Paulo Afonso se tornou independente e nas décadas seguintes.

Onde estavam as defensoras da presença da mulher na política, que não foram dar um adeus, nem publicaram uma notinha nas redes sociais como se tornou moda hoje, para homenagear, mesmo que fosse apenas para aparecer nestas redes sociais, esta mulher, D. Risalva Toledo, que foi a pioneira nessa luta que todas agora dizem seu sua?…

O seu trabalho, sem precisar aparecer na mídia, foi tão importante que o Padre Celso a colocou em um Calendário e a considerou como Mulher Caraibeira, “Caraibeira de Coragem transforma o Sertão em Jardim”.

E anos depois, quando Paulo Afonso já estava grandinha, já tinha 31 anos e D. Risalva 61 anos, em 1988, e esta mulher aceita o convite do candidato a prefeito Luiz de Deus para ser a vice-prefeita e ela enfrentou preconceitos e ataques virulentos da oposição numa campanha acirrada e elegeu-se e ajudou a administrar o município ao lado de Luiz de Deus por 4 anos, de 1989 a 1992…

E, nesse tempo, o seu cuidado e o seu carinho para com o povo mais humilde, simples e necessitado era tão grande que um Secretário me disse que, certa vez, em uma reunião, o então prefeito Luiz de Deus disse: “Leônidas (que era Secretário de Administração) e D. Risalva (vice-prefeita) quando morrerem vão para o céu porque não sabem dizer não a ninguém…”

Esse seu carinho com o povo simples chegou a um nível que nos chega a informação que “há famílias na cidade que têm na sala da casa uma foto de D. Risalva na parede como quem coloca a imagem de uma santa protetora”…

Mas, no velório, nem no cemitério não apareceu uma viva alma representando o Poder Executivo nessa despedida…

O relógio da história segue marcando, implacável, o tempo e os acontecimentos.

No ano de 1998, por iniciativa do então vereador Paulo Sérgio Barbosa, a Câmara Municipal de Paulo Afonso concede a D. Risalva Toledo o título de Cidadã de Paulo Afonso.

A corajosa sertaneja cearense, que chegou a esta região chamada Forquilha em 11 de setembro de 1950 e resolveu adotar esse território como seu lugar para morar e viver, até a morte e que continuaria se doando pelo seu povo mais humilde.

A concessão do título de Cidadã de Paulo Afonso foi mais um estímulo para que continuasse na luta para ajudar os mais necessitados.

E, com esse propósito, com 73 anos de idade, lança-se numa campanha difícil para vereadora do município e é eleita, atuando, com destaque, na Câmara Municipal de Paulo Afonso, por 4 anos, na legislatura de 2001 a 2004.

Mas, no seu velório, nem no cemitério não apareceu um vereador pesaroso, na sua despedida…

Por certo que todos têm seus afazeres e muitos vão apresentar justificativas por não estarem presentes, outros nem vão se dar a esse cuidado e é possível que, nas próximas sessões até seja aprovada moção de pesar pela sua morte, mas a ausência física nessa hora, notada e reclamada pelos presentes, nunca será esquecida…

Não fosse o Alzheimer, D. Risalva, com certeza, continuaria apoiando, até o fim dos seus dias, alguma causa que trouxesse benefícios aos seus irmãozinhos menos favorecidos…

Confesso a todos a minha total decepção, a minha frustação como essa falta de reconhecimento, de aplausos públicos, para com esta mulher que foi só doação, cuidado, amor, ao longo dos 72 anos em que viveu em Paulo Afonso.

Confesso que esperava que o seu velório fosse feito nas dependências da Câmara Municipal de Paulo Afonso, onde ela atuou. E que esperava que o seu corpo fosse conduzido pelo Carro do Grupamento de Bombeiros e que muitos políticos, secretários municipais, prefeito, vice-prefeito, vereadores estivessem à frente, alguns destes conduzindo o seu caixão à sua última morada.

Essas foram as minhas expectativas, totalmente pessoais, considerando, no meu entender, a sua importância para o município de Paulo Afonso.

(Foto: Antônio Galdino)

Era o mínimo que se poderia fazer para exaltar essa pessoa que foi só amor e doação a este município que ela própria, correndo risco de vida muitas vezes, ajudar a criar.

Eu me associo àqueles que ali, ao pé do túmulo, ornamentado por uma única coroa de flores providenciada pela família e um arranjo da funerária, choravam a sua partida e lamentavam essa ausência daqueles que deveriam ser os primeiros a elevar, bem alto, a bandeira com o frase: RISALVA TOLEDO, CARAIBEIRA DE CORAGEM – PRIMEIRA MULHER ENGAJADA NA POLÍTICA E NA LUTA POR UMA SOCIEDADE MELHOR – GUERREIRA ESQUECIDA DA EMANCIPAÇÃO DE PAULO AFONSO

E repudio veementemente, a hipocrisia, a bajulação, e as palavras de alguns que soam mais falsas que notas de 3 reais.

Entristeço-me por ver a que ponto chegou a sociedade, chegaram as pessoas, nesses tempos em que estamos vivendo…

Dona Risalva Toledo, que tantas vezes me recebeu para contar as histórias dos primeiros tempos de Paulo Afonso. A doença que a acometeu nos últimos anos não permitiu que percebesse que lhe esqueceram, esqueceram da sua história…

Mas a sua história continuará viva e será registrada e espalhada aos quatros ventos para que esta geração e outras que virão saibam que por aqui passou uma mulher sertaneja, caraibeira, corajosa, lutadora e as marcas de sua passagem ficarão eternizadas, como se afixadas fossem nos enormes paredões de granito do cânion do São Francisco, nesta terra que um dia a acolheu que ela adotou como sua.

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