Por Francisco Nery Júnior
Ele está sendo velado, neste momento, em Salvador, tarde de 22 de dezembro de 2022. Viveu cem anos. Estava a viver o seu centésimo ano, que não completou. Viveu uma longa vida. A bíblia promete vida longa por algumas virtudes que o professor Hélio Rocha tinha em abundância.
Foi um grande mestre para os felizes alunos que passaram pelas suas mãos. Conferencista e palestrante, encantava a plateia. Em 1975, no Colepa, mais precisamente no salão da Escola Adozindo, nos contemplou com um banho de princípios e diretrizes norteadores do comportamento e da vida em sociedade. Veio a convite da professora Albertina, Beta, apoiada pelo professor Silva, até onde pude perceber.
Ele nos falou por quase duas horas no calor abrasador de um domingo deixando o gosto de quero mais. Com um perfeito domínio da fala, pareceu falar menos de uma hora. Do professorado, ninguém cochilou, mostrou cara feia nem se levantou para o que quer que fosse. Ríamos todos e, apenas encantados, nos deliciávamos com a sua comunicação e suas histórias de vida até uma hora e meia da tarde. O encanto anulou a fome de todos nós.
Esse é o Hélio Rocha que muitas vezes tenho citado nos nossos escritos. Esta a perda para a Bahia dos cidadãos comprometidos com uma educação sem trejeitos e narrativas.
O que posso me lembrar daquele domingo inesquecível nas palavras do professor Hélio Rocha:
. Conferência é obra de vaidade. Aqui não é conferência. Eu falo para a plateia, ganho as palmas do auditório e saio com a minha vaidade mais inchada do que baiacu! Não, não é conferência. É uma conversa de professor para professor;
. Não seja inconveniente. Que os outros não digam: Lá vem ele. Lá vem o desmancha prazer. Onde ele chega, a porta vai fechando, o trinco vai batendo. Ao contrário, procure imitar aquele de quem se diz ser indispensável. Oh, sem ele não tem graça. Por que não convidaram fulano?
. Não despreze ninguém. Cada pessoa tem o seu valor. Cada pessoa é recuperável. Assimile que os maus não são bons porque os bons não são melhores;
. Seja ativo. Faça diferença. Agora vem Nietzsche com o personagem Zaratustra e o não ao niilismo; a transformação para a destruição dos valores que querem o nada;
. Não se despreze. Você tem o seu valor e não é pior do que ninguém. Um dia fui ler sobre aquela cafajestagem dos apóstolos. Só faltei ir ao papa para pedir a canonização para mim mesmo. Pedro, caindo e levantado; luz e lama. Depois, foram capazes de feitos espetaculares;
. [Sobre comprometimento] o paquiderme não joga o coração naquilo que faz;
. Do pastor Martin Luther King, evangelho puro, “Eu não sou aquilo que eu queria ser. Que pena! Eu não sou aquilo que eu poderia ser. Que droga! Eu não sou aquilo que eu deveria ser. Mas eu não sou mais aquilo que eu era!”;
. [Sobre oração sem comprometimento, da boca pra fora] “Perdoa nossos pecados.” Perdoa coisa nenhuma!
. O que você está esperando, mano? Velhice, doença e morte. Todas três têm encontro marcado com você. E garanto que nenhuma das três vai faltar!
. [Sobre a “capciosidade” das mulheres] … com exceção das que estão aqui, evidentemente!
. Todo crítico não tem autocrítica, meu irmão!
. Não chegue na vigésima-quinta hora [para atuar; fazer o bem]. O dia tem 24 horas. Depois disso, o dia acabou. Faça o bem enquanto é tempo;
. E eu me despeço com aquela música de Dolores Duran: “Ah, eu quero a rosa mais linda que houver. Eu quero a primeira estrela que vier. Eu quero isso, eu quero aquilo para enfeitar a noite do meu bem. Mas, como esse bem demorou a chegar, eu já nem sei se terei no olhar toda a ternura que eu quero lhe dar!
Nota: As citações são ipsis litteris (ao pé da letra) do professor Hélio Rocha conforme resgatadas pela memória do autor. Citações entre colchetes são do autor para melhor entendimento do leitor.
