25 de março de 2025

“Lembranças de pedra”, por Gecildo Queiroz

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Acordei saudoso. Nas primeiras horas de sol de hoje fui dar uma volta de bicicleta pelas ruas de Paulo Afonso, minha querida cidade. Passando pela igreja de São Francisco, uma bonita construção de pedra, tive vontade – como dizíamos na infância – de “arrudiar” a igreja. É incrível como, de tanto ver, acabamos não mais percebendo o quanto algumas coisas são belas. Às vezes a rotina nos tira a sensibilidade. Quando pus meus pés na grama, ainda úmida de orvalho, minha cabeça retrocedeu. Minha percepção externa deu lugar aos sentidos da memória.

Tenho muitas lembranças deste lugar.  Pude ouvir nitidamente o ruído das tábuas de freio usadas nos barquinhos do parque de diversão (nas festas de São Francisco) e sentir o cheiro daquele líquido viscoso e avermelhado com o qual eram banhadas as maçãs do amor. Nunca gostei de maça, mas aquelas eram “do amor”. Como não se lembrar do cheiro do gramado quando ficávamos estirados olhando pro céu, contando estrelas, mesmo correndo o risco de nascerem verrugas nas mãos, como nossas mães diziam. É impossível não se lembrar da pescaria no pó de serra, dos pedaços de papelão que usávamos para descer no nosso improvisado tobogã de grama.

O tempo parecia parar pra gente brincar. Só voltava a andar quando um adulto usava aquela detestável frase: “Já é tarde, vamos pra casa”. Nunca entendi a palavra tarde. Por outro lado, entendia como ninguém a palavra surra, pois a sandália de couro que meu pai usava para resolver problemas de desobediência não dava brecha pra dúvida. E ia pra casa contrariado, me coçando todo por causa da grama, mas satisfeito porque no dia seguinte estaria lá novamente. Achava que aquilo seria pra sempre. Quando me volto pra essas lembranças sou tomado por uma paz sem igual. Um lugar onde posso ir quando o presente parece árido e confuso.

Hoje, entendo perfeitamente o sentido da palavra tarde. Torço pra que essas lembranças se mantenham vigorosas. Desejo que cada um de nós encontre, em experiências passadas e valiosas, um refúgio pessoal.  E, quando as coisas não estiverem bem, possamos buscar alívio nesses abrigos da memória, dando valia às nossas almas adultas, às vezes frias, e quase sempre apressadas.

Visite o blog do professor, escritor e humorista Gecildo Queiroz: valedoverbo.blogspot.com

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