
Por Luciano Júnior
E o sábado terminou com a notícia que fecha janelas. O mestre professor partia.
A cidade ficou um pouco maior do que o nosso abraço, e o vento que vem do rio parecia procurar palavras nas telhas. Mas havia sinais de que a vida, teimosa, ainda trabalhava nele: ontem, do leito no Recife, conduziu por telefone a conversa sobre o Museu de Paulo Afonso; e hoje pela manhã, ainda internado, votou eletronicamente na escolha do nome do Portal dos 300 Anos da Tapera — gesto curto, desses que dizem muito: até o fim, Galdino continuou arrumando a casa da memória.
Ele era desses raros que confundem ofício com missão. Professor por formação, ensinava com a lousa que há nos olhos dos alunos; historiador por teimosia afetiva, catava datas, sobrenomes e retratos como quem salva passarinhos da chuva; comunicador por serviço público, deu sotaque de beira de rio à notícia, fundando jornal, programas de rádio, colunas, conversa na praça. Não escrevia para brilhar: escrevia para iluminar os outros.
Paraibano de nascença, pauloafonsino por opção, ele nos ensinou um truque simples e poderoso: contar-se é não se perder. Quando dizia Tapera, Vila Poty, Angiquinho, Forquilha, a gente ouvia portas antigas abrindo por dentro. Quando organizava cartas, álbuns e depoimentos, devolvia à cidade a autoestima boa, a que não faz barulho, mas sustenta o teto. Quando falava de 300 anos, não era aritmética — era cuidado: o de ligar pessoas a lugares, para que lugar vire casa.
Hoje, o luto sentou conosco, pediu um copo d’água e suspirou. A saudade chegou com o impulso de arrumar a estante. E a gratidão, essa irmã mais velha, tomou a palavra: obrigada por lembrar que patrimônio também é gente; obrigada por mostrar que museu é verbo; obrigada por provar que jornal local não é “pequeno”, é próximo. E ele bancava o jornal!
Galdino partiu deixando mapas abertos. Mapas de um turismo que respeita as margens, de uma educação que começa no nome da rua, de um jornalismo que chega de chapéu tirado e pergunta “posso entrar?”. Se a ponte segue ligando margens, que cada travessia traga um aceno ao mestre: “obrigada, professor”. O vento entende — e leva.
Bio & legado
(síntese integrada)
Antônio Galdino da Silva: nascido em 18 de janeiro de 1948, em Zabelê/Monteiro (PB). Chegou ao então distrito de Paulo Afonso em 1954; recebeu o Título de Cidadão Pauloafonsino em 1993.
Professor, mestre em turismo, escritor, historiador e comunicador; fundador do Folha Sertaneja (impresso e online) e tantos outros programas em rádio e colunas em outros jornais e revistas.
Membro-fundador e dirigente da Academia de Letras de Paulo Afonso (ALPA).
Atuou por décadas na Chesf e em projetos de memória local (memoriais, revistas, livros, entrevistas). Idealizador do Memorial da Chesf.
Obras e séries documentais sobre a história regional: revistas históricas, livros de perfis de pioneiros, marcos como Angiquinho, Redenção do Nordeste, igrejas, escolas e bairros.
Nos últimos dias, mesmo internado em Recife para exames, seguiu interagindo com a equipe dos 300 Anos da Tapera. Hoje votou online no nome do Portal dos 300 Anos e discutiu por telefone as propostas para o Museu de Paulo Afonso.





