Dezoito e trinta. À beira da praça, sentado em uma cadeira de bar,a noite cinzenta de Paris se aproximando, tocam os sinos de Notre Dame. Aí, a essa altura, todos os percalços estão pagos; aí jazem todos os aperreios do deslocamento.
Ah, lá, lá em cima da torre, o Quasímodo se esmera para o oferecimento do concerto com que tanto sonhamos. Ele se esmera ao total das suas forças para não decepcionar o imaginário de Victor Hugo. Toca e toca. E nos deliciamos todos caminho de volta ao passado glorioso da França – e da humanidade. Ali estavam as descrições de Hugo, muitas semeadas pelos pensadores privilegiados de antemão, resultado dos executores pragmáticos das ideias, cujas cabeças de alguns haviam rolado guilhotina abaixo.
De volta, toda a história francesa revivida ao vivo nos lugares sagrados de Paris. De volta do sonho sonhado por alguns, a França moderna do respeito máximo ao cidadão; respeito sem pieguice e com o pé no chão. Os franceses – todos os europeus – jogam a política do respeito mútuo cidadão com o pé no chão. Parecem saber até onde ir, sabendo que nada se sustenta em sonhos de quimeras polpudos em demagogia nada pragmática.
Lugares venerados onde morreram executados culpados e inocentes, sábios e tolos; lugares que não deixaram morrer a glória de antão, pisos de lutas e guerras, chão quase santo por onde passaram Hitler e Charles de Gaulle, o mal e o bem, aparece, então, o Sena. Não importa que não seja páreo para o São Francisco. Pelo Sena, barcaça a deslizar os sonhos chocados nos livros de história da Bahia por uma alma adolescente crente no Brasil, o coração da França. De lá, a Torre Eiffel, o Museu do Louvre e o Arco do Triunfo. Ah, cruzando o Sena, de lado a lado, não só uma ponte: só na área de Paris, 35 delas a atestar de viva presença as peripécias passadas de Jean Valjean nos esgotos e barrancos do rio. Os franceses não tiveram de travar a inglória e maçante luta por uma ponte a mais sobre o Sena. Eles têm dezenas delas. Foram erguidas sem o calvário desgastante das súplicas pelo retorno de um benefício já pago com pesados impostos.
São miríades de turistas. O dinheiro volta agora nos modernos trens e aviões. Eles sabem que vale a pena investir. As bolsas-família dos franceses – e de todos os europeus – são os investimentos. Deslocamento urbano na Europa não é um sonho.
Londres e Amsterdam a seguir, de trem por baixo do mar, sonhos por eles já sonhados que teremos de sonhar os nossos se assim nos for concedido; se houver lisura, se nos deixarem, se, no leme, um timoneiro de mãos fortes e determinadas – selecionado por nós!
Em Paulo Afonso, para as almas boas, às vezes simplórias de todos nós, as esperanças. Não somos piores e chegaremos lá. Eles chegaram com a nossa participação, eles sabem disto. Chegaremos sim, talvez daqui a duas, três gerações. O Clemenceau do passado deve ter estado equivocado. Somos o país do futuro. Chegarem os lá. Deixarão e deixaremos, “Deixaremos”, a chave, a condição.
Em nós de Paulo Afonso, para encerrar com chave de esperança, bem presente a responsabilidade de cada um de nós.
Francisco Nery Júnior, correspondente em Paris
O pessoal do museu nosso lá no Rio de Janeiro, que tb pegou fogo, está vingado. Claro que pode ter havido displicência em ambos os casos, mas está provado que não foi um ato (o incêndio) meramente tupiniquim. E para meditação, a informação do Le Monde segundo a qual o incêndio teria começado nos andaimes que foram armados para a limpeza da catedral escurecida pela poluição de Paris.